domingo, 17 de abril de 2011

Crepúsculo dos deuses (Sunset Boulevard)

Época de mudança proporciona bons momentos entre velhos escritos. Hoje compartilho com vocês um artigo que escrevi sobre um filme que gosto muito do cinema noir.

Atenção: O texto abaixo contém spoilers


Crepúsculo dos deuses: Esquecimento e insanidade
Crepúsculo dos deuses, co-escrito e dirigido por Billy Wilder é lançado no ano de 1950. O filme em preto-e-branco se inicia com um ângulo não-convencional: na tela estão simultaneamente: um corpo em uma piscina e os fotógrafos que registravam a cena. Joe Gillis, interpretado por William Holden, um defunto-narrador, conta, em flashback, seus últimos seis meses de vida, mostra os bastidores do cinema hollywoodiano e como e porque fora parar naquela piscina.

Com a narração em voz off , o filme faz uma crítica metalinguística   ao cinema de Hollywood, de estrelas decadentes à jovens em busca do estrelato. Joe é um argumentista desempregado que ainda tenta emplacar algum de seus roteiros nos conceituados estúdios Paramount. Criticado pela jovem revisora e aspirante a roteirista, Betty Schaefer, interpretada por Nancy Olson, ele tem mais uma de suas histórias recusadas.

Em meio a dívidas crescentes, o protagonista se vê prestes a perder seu carro exigido como pagamento de seu aluguel atrasado, depois de ser perseguido pelos cobradores, ele para acidentalmente em uma mansão na Sunset Boulevar, Hollywood. Pensando tratar-se de uma propriedade abandonada, ele guarda seu carro numa das garagens e adentra o lugar sendo surpreendido por uma voz, que o manda entrar, ele avista a dona daquelas palavras (Glória Swanson) e desconfiado direciona-se até a porta.

Recebido pelo mordomo Max, (que mais tarde descobriremos que é algo mais eu isso), vivido por Erich von Stroheim, Joe é orientado para entrar e encaminhar-se até o quarto da dona da casa sem receber maiores explicações. Descobre então que foi confundido e trata de explicar-se.  A senhora  o manda embora de sua casa. Ao fazer isso é reconhecida como sendo Norma Desmond uma atriz que já fora muito famosa na época do cinema mudo e que estava esquecida pelo cinema e público. O protagonista identifica-se como roteirista e Norma mostra um roteiro original, escrito por ela chamado “Salomé”, projeto para retornar as telas triunfantemente na concepção da própria, no qual pede a ajuda de Joe para ser roteirista.

A proposta é tentadora e Joe acaba por ceder, hospeda-se temporariamente num quarto acima da garagem. Os dias passam e Norma o prende cada vez mais em sua mansão, que reflete sua personalidade egocêntrica, cada parte da casa tem tanto dela quanto cada parte de seu corpo. A relação profissional deles aos poucos vai se transformando em outra coisa, a arrogante Norma torna-se cada vez mais obsessiva e passional. Joe apesar de contra a sua vontade se deixa manipular.

Numa noite em que consegue “escapar” da casa ele encontra Betty, agora namorada de um amigo seu, o flerte ocorre. Convidado pelo amigo para ficar alguns dias em sua casa, Joe é surpreendido com a notícia de que Norma tentara se matar, ele desiste de sair da mansão, mas passa a se encontrar com Betty para escrever a “história de amor sem nome”, e recebe a proposta de fugir com ela. Enquanto Norma acha que seu roteiro será em breve transformado em filme e terá seu tão esperado retorno.

A atriz decadente percebe as noites que Joe passa fora de casa, começa a interceptar seus telefonemas e torna-se cada vez mais paranóica. 

O filme encaminha-se para o desfeche final, revelações feitas, reviravoltas e a personalidade duvidosa de Joe o levam a ser assassinado, fazendo com que o flashback termine. Apoiada por Max, também obcecado por ela, Norma estrela sua última cena totalmente fora de si, num mundo imaginário do qual ela já fez parte e que se recusa a deixar no passado, pronta para o “close up”, como ela mesma diz. Policiais, repórteres e fotógrafos deixam seus papéis para serem meros figurantes diante da loucura da estrela decadente.

O filme mantém sempre um tom obscuro. As cenas geralmente são à noite ou em interiores sombrios, típicas do cinema noir, mas mesmo quando as cenas ocorrem durante o dia, elas vem carregadas de tenebrosidade. O filme é narrado em primeira pessoa, e se Joe que é alvo da obsessão de Norma “aceita” isso em silêncio para ela, na narração ele descarrega seus comentários ácidos a respeito das situações, chegando as vezes ao cômico, outras ao humor negro.

Assassinato ou algum outro crime é o enredo principal dos filmes noirs, porém em “Crepúsculo dos deuses” o espectador chega em alguns momentos a esquecer que quem conta a história é um defunto, tal o grau de envolvimento com o enredo. Os atores principais estão presentes na maioria das cenas, e a trilha sonora conduz as emoções de quem assiste, o filme consegue amarrar bem as cenas sem se tornar cansativo ou maçante. O crime é praticamente ofuscado, lembrando-se apenas no final quando acaba o flash back. O protagonista se vê cada vez mais envolvido com aquela ex-atriz que vive interpretando mesmo com as pessoas do seu dia-a-dia e que se resumiam a Joe e o mordomo.
O senso de fatalismo está presente em Norma, onde verifica-se a presença da morte em vários instantes, como na morte de seu macaco, na tentativa de suicídio ou no assassinato que ocorre em sua piscina. Obcecada por Joe, que torna-se praticamente um brinquedo em suas mãos, ela revela o extremo da passionalidade quando este ameaça “soltar-se” das amarras que o prendem. O protagonista, nada romântico, se deixa manejar por Norma em troca de boa vida e dinheiro.
Crepúsculo dos deuses é um filme que fala sobre o cinema, alguns de seus personagens são reais como o diretor Cecil B. Demille que representa a si mesmo, assim como também é real a forma cruel como os artistas são esquecidos, sempre há uma nova “safra” e os que não se adaptam, não se destacam, são passados para trás. Norma não se adaptou ao cinema falado: “falam, falam, falam” como ela diz. Já o protagonista não se destaca, produzindo apenas roteiros medianos que renderam apenas filmes “B”.

Criticado por uns, aplaudido por outros na época, o fato é que “Crepúsculo dos deuses” mexe na “ferida” do cinema hollywoodiano, o fracasso e esquecimento de seus outrora astros e estrelas e a forma cruel como o cinema descarta as pessoas. Insanamente o filme termina com mais metalinguagem: Norma, no papel de Salomé, entre fotógrafos e policiais, em sua última cena, desce as escadas teatralmente, gesticulando com as mãos como quem convida o espectador a se perder de si e juntar-se a ela em sua loucura.
Marília Domingues é graduanda do curso de Comunicação Social Habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal da Paraíba.

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